terça-feira, 22 de dezembro de 2009

sábado, 14 de novembro de 2009

Constituição Apostólica "Anglicanorum coetibus"

Nestes últimos anos, o Espírito Santo conduziu grupos de anglicanos a pedir repetida e insistentemente para serem recebidos na plena comunhão católica individual e coletivamente. A Sé Apostólica respondeu favoravelmente a tais pedidos. De fato, o Sucessor de Pedro, que recebeu do Senhor Jesus o mandato de garantir a unidade do episcopado e de presidir e tutelar a comunhão universal de todas as Igrejas, não pode deixar de providenciar os meios necessários à realização deste santo desejo.

A Igreja, povo reunido na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, foi instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo como “o sacramento, ou seja, o sinal e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano”. Toda divisão entre os batizados em Jesus Cristo é uma ferida àquilo que a Igreja é e àquilo pelo qual a Igreja existe; de fato, “não apenas se opõe abertamente à vontade de Cristo, mas é também escândalo para o mundo e prejudica a mais santa das causas: a pregação do Evangelho a toda criatura”. Exatamente por isto, antes de derramar seu sangue pela salvação do mundo, o Senhor Jesus rezou ao Pai pela unidade dos seus discípulos.

É o Espírito Santo, princípio de unidade, que estabelece a Igreja como comunhão. Ele é o princípio da unidade dos fiéis na pregação dos Apóstolos, na fração do pão e na oração. A Igreja, todavia, por analogia ao mistério do Verbo Encarnado, não é somente uma comunhão espiritual invisível, mas também visível; de fato, “a sociedade constituída por órgãos hierárquicos e o corpo místico de Cristo, a assembleia visível e a comunidade espiritual, a Igreja terrestre e a Igreja enriquecida de bens celestes, não devem ser consideradas como duas realidades; pelo contrário, elas formam uma única realidade complexa resultante de um duplo elemento, humano e divino”. A comunhão dos batizados na pregação dos Apóstolos e na fração do pão eucarístico se manifesta visivelmente nos vínculos da profissão da integridade da fé, da celebração de todos os sacramentos instituídos por Cristo e do governo do Colégio dos Bispos unidos ao próprio chefe, o Romano Pontífice.

A única Igreja de Cristo, que no Símbolo professamos uma, santa, católica e apostólica, “subsiste na Igreja Católica governada pelo sucessor de Pedro, e pelos Bispos em comunhão com ele, ainda que fora de seus limites visíveis se encontrem muitos elementos de santificação e de verdade. Uma vez que estes dons pertencem propriamente à Igreja de Cristo, eles impelem à unidade católica”.

À luz destes princípios eclesiológicos, esta Constituição Apostólica prevê uma norma geral que regule a instituição e a vida dos Ordinariatos Pessoais para os fiéis anglicanos que desejam entrar corporativamente na plena comunhão com a Igreja Católica. Esta Constituição é completada por Normas Complementares emanadas pela Sé Apostólica.

I. §1. Os Ordinariatos Pessoais para os anglicanos que entram na plena comunhão com a Igreja Católica são erigidos pela Congregação para a Doutrina da Fé dentro dos limites territoriais de uma determinada Conferência Episcopal, depois de haver consultado a própria Conferência.
§ 2. No território de uma determinada Conferência de Bispos, um ou mais Ordinariatos podem ser erigidos, conforme a necessidade.
§ 3. Cada Ordinariato ipso jure possui personalidade jurídica pública; é juridicamente comparável a uma diocese.
§ 4. O Ordinariato é formado por fiéis leigos, clérigos e membros de Institutos de Vida Consagrada ou de Sociedades de Vida Apostólica, originalmente pertencentes à Comunhão Anglicana e agora em plena comunhão com a Igreja Católica, ou por aqueles que recebem os Sacramentos da Iniciação na jurisdição do Ordinariato.
§ 5. O Catecismo da Igreja Católica é a expressão autêntica da fé católica professada pelos membros do Ordinariato.
II. O Ordinariato Pessoal é governado pelas normas do direito universal e pela presente Constituição Apostólica e está sujeito à Congregação para a Doutrina da Fé e aos outros Dicastérios da Cúria Romana segundo suas competências. É também governado pelas Normas Complementares e por outras eventuais Normas específicas datas para cada Ordinariato.
III. Sem excluir as celebrações litúrgicas segundo o Rito Romano, o Ordinariato tem a faculdade de celebrar a Eucaristia e os outros Sacramentos, a Liturgia das Horas e as outras ações litúrgicas segundo os livros litúrgicos próprios da tradição anglicana aprovados pela Santa Sé, de modo a manter vivas no interior da Igreja Católica as tradições espirituais, litúrgicas e pastorais da Comunhão Anglicana, como dom precioso para alimentar a fé dos seus membros e como tesouro a ser partilhado.
IV. Um Ordinariato Pessoal é confiado à cura pastoral de um Ordinário nomeado pelo Romano Pontífice.
V. O poder (potestas) do Ordinário é:
a. ordinária: anexa pelo próprio direito ao ofício que lhe foi conferido pelo Romano Pontífice, para o foro interno e para o foro externo;
b. vicária: exercida em nome do Romano Pontífice;
c. pessoal: exercida sobre todos aqueles que pertencem ao Ordinariato.
Esta é exercida de modo conjunto com a do Bispo diocesano local nos casos previstos pelas Normas Complementares.
VI. § 1. Aqueles que exerceram o ministério de diáconos, presbíteros ou bispos anglicanos, que cumprem os requisitos estabelecidos pelo direito canônico e não estão impedidos por irregularidades ou outros impedimentos, podem ser admitidos pelo Ordinário como candidatos às Ordens Sagradas na Igreja Católica. Para os ministros casados devem ser observadas as normas da Encíclica de Paulo VI Sacerdotalis coelibatus, n. 42 e da Declaração In June. Os ministros não casados devem se submeter á norma do celibato clerical segundo o can. 277 § 1.
§ 2. O Ordinário, em plena observância da disciplina sobre o celibato clerical na Igreja Latina, como regra (pro regula) admitirá à ordem do presbiterato somente homens celibatários. Poderá solicitar ao Romano Pontífice, em derrogação ao can. 277 § 1, a admissão de homens casados à ordem do presbiterato, caso por caso, de acordo com os critérios objetivos aprovados pela Santa Sé.
§ 3. A incardinação dos clérigos será regulada de acordo com as normas do direito canônico.
§ 4. Os presbíteros incardinados em um Ordinariato, que constituem o seu presbitério, devem também cultivar vínculos de unidade com o presbitério das Dioceses em cujo território desenvolvem o seu ministério; Estas devem favorecer iniciativas e atividades pastorais e caritativas comuns, que podem ser objeto de convenções a serem estipuladas entre o Ordinário e o Bispo diocesano local.
§ 5. Os candidatos às Ordens Sagradas em um Ordinariato serão formados junto aos demais seminaristas, especialmente nas áreas de formação doutrinal e pastoral. Para levar em conta as necessidades particulares dos seminaristas do Ordinariato e de sua formação no patrimônio anglicano, o Ordinário também pode estabelecer programas ou mesmo erigir casas de formação, conexas com as já existentes faculdades católicas de teologia.
VII. O Ordinário, com a aprovação da Santa Sé, pode erigir novos Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica e promover os membros às Ordens Sagradas, segundo as normas do direito canônico. Institutos de Vida Consagrada provenientes do Anglicanismo e agora em plena comunhão com a Igreja Católica podem ser colocados sob a jurisdição do Ordinário por consenso mútuo.
VIII. § 1. O Ordinário, segundo a norma do direito, depois de haver ouvido o parecer do Bispo diocesano do lugar, pode, com o consenso da Santa Sé, erigir paróquias pessoais, para a cura pastoral dos fiéis pertencentes ao Ordinariato.
§ 2. Os párocos do Ordinariato gozam de todos os direitos e estão sujeitos a todas as obrigações previstas no Código de Direito Canônico e, nos casos estabelecidos nas Normas Complementares, estes direitos e obrigações devem ser exercidos em mútua ajuda pastoral com os párocos das Dioceses em cujo território se encontra a paróquia pessoal do Ordinariato.
IX. Tanto os fiéis leigos quanto os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, originalmente parte da Comunhão Anglicana, que desejam ingressar no Ordinariato Pessoal, devem manifestar este desejo por escrito.

X. § 1. O Ordinário no seu governo é assistido por um Conselho de Governo com seus próprios estatutos aprovados pelo Ordinário e confirmados pela Santa Sé.
§ 2. O Conselho de Governo, presidido pelo Ordinário, é composto ao menos por seis sacerdotes. Exerce as funções estabelecidas no Código de Direito Canônico para o Conselho Presbiteral e o Colégio dos Consultores, e também aquelas especificadas nas Normas Complementares.
§ 3. O Ordinário deve constituir um Conselho para assuntos econômicos segundo as normas estabelecidas pelo Código de Direito Canônico e exercerá as funções ali especificadas.
§ Para favorecer a consulta aos fiéis, deve ser constituído um Conselho Pastoral no Ordinariato.
XI. A cada cinco anos, o Ordinário deve vir a Roma para a visita ad limina Apostolorum e apresentar ao Romano Pontífice, através da Congregação para a Doutrina da Fé, e em consulta com a Congregação para os Bispos e com a Congregação para a Evangelização dos Povos, um relatório sobre o estado do Ordinariato.
XII. Para as causas judiciais, o tribunal competente é o da Diocese em que uma das partes tem domicílio, a menos que o Ordinariato constitua seu próprio tribunal, em cujo caso o tribunal de segunda instância é aquele designado pelo Ordinariato e aprovado pela Santa Sé.
XIII. O Decreto estabelecendo um Ordinariato determinará o lugar da Sé e, se for apropriado, a Igreja Principal.

Desejamos que estas nossas disposições e normas sejam válidas e eficazes agora e no futuro, não obstante, se fosse necessário, as Constituições e as ordenações apostólicas emanadas pelos nossos predecessores, ou quaisquer outras prescrições, mesmo aquelas dignas de particular menção ou derrogação.

Dado em Roma, junto de São Pedro, em 4 de novembro de 2009, Memória de São Carlos Borromeu.

BENEDICTUS PP XVI

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Encontro de formação para o diálogo


Sínodo para a África: Proposições sobre o diálogo ecumênico e inter-religioso

Propositio 10 - Diálogo Ecumênico

No serviço da reconciliação, da justiça e da paz no continente, e em união com a Igreja universal, a Igreja em África compromete-se, mais uma vez, ao serviço do diálogo ecumênico e da cooperação. Um Cristianismo dividido continua a ser um escândalo, porque é contrário aos desejos do Mestre Divino, que pediu para que os seus discípulos fossem um (cf. Jn 17, 21). O objetivo do diálogo ecumênico é, portanto, dar testemunho do seguimento de Cristo e, simultaneamente, ir ao encontro da unidade cristã com aqueles com quem partilhamos a mesma fé, através da escuta da Palavra de Deus e na colaboração no serviço dos irmãos e das irmãs “num só Senhor… num só Batismo, num só Deus e Pai de todos” (Ef 4, 5-6). Consequentemente, o Sínodo louva os esforços feitos pelo Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos em iniciar e manter o diálogo com outras Igrejas e comunidades eclesiais.

O Sínodo sabe que, embora a unidade dos Cristãos ainda não seja uma realidade, os Cristãos em vários países africanos juntaram-se em várias associações (como a Associação Cristã da Nigéria, o Conselho Cristão da Libéria, etc.) para realizarem obra se caridade em comum e salvaguardarem os interesses dos cristãos num estado pluralista moderno. O Sínodo louva tais esforços e recomenda que se faça o mesmo noutros países, onde semelhantes associações poderiam trabalhar pela paz e pela reconciliação. Do mesmo modo, o Sínodo convida a Igreja em cada Diocese ou região a assegurar que a semana dedicada à oração pela unidade dos cristãos seja assinala pela oração e por atividades comuns que promovam a unidade dos cristãos, “para que todos sejam um” (Jn 17, 21).

Propositio 11 - Diálogo inter-religioso

A paz em África e noutras partes do mundo depende muito das relações entre as religiões. Por isso é tão importante promover o valor do diálogo, de modo que os crentes trabalhem juntos em associações dedicadas à paz e à justiça, num clima de confiança e apoio mútuos, e as famílias sejam educadas para os valores da escuta paciente e do respeito mútuo.

O diálogo com as outras religiões, especialmente com o Islã e a religião tradicional africana, é uma parte integrante da proclamação do Evangelho e da ação pastoral da Igreja em nome da reconciliação e da paz. Em conformidade com a iniciativa do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso, é altamente recomendado que se estabeleça diálogo com as diferentes religiões não-cristãs.

No entanto, porque a religião é frequentemente politizada, tornando-se causa de conflitos, é necessário e urgente um diálogo inter-religioso com o Islã e as religiões tradicional africana a todos os níveis. Este diálogo será autêntico e fecundo na medida em que cada religião partir da profundidade da sua própria fé e vá ao encontro do outro com verdade e abertura.

Os Padres sinodais rezam para que a intolerância religiosa e a violência sejam minimizadas e eliminadas por meio do diálogo inter-religioso. O importante encontro ecumênico e inter-religioso de Assis (1986) apresenta-nos um modelo a seguir.

Nos 10 anos da Declaração de católicos e luteranos sobre a Justificação

CIDADE DO VATICANO, segunda-feira, 2 de novembro de 2009 (ZENIT.org).- Bento XVI destacou a importância, no caminho para a unidade dos cristãos, da Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, firmada por representantes da Federação Luterana Mundial e da Igreja Católica, a 31 de outubro de 1999.
Após a oração do Ângelus ante numerosos peregrinos na Praça de São Pedro, neste domingo, o Papa afirmou que “este aniversário é uma ocasião para recordar a verdade sobre a justificação do homem, testemunhada juntos, para nos reunirmos em celebrações ecumênicas e para aprofundar ulteriormente nesta temática e nas demais que são objeto do diálogo ecumênico”.
A Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação firmada em Augsburgo em 1999, e à qual se aderiu o Conselho Metodista mundial em 2006, certifica um consenso sobre verdades fundamentais da doutrina da justificação.
Estas verdades, que “nos conduzem ao próprio coração do Evangelho e a questões essenciais de nossa vida”, disse o Papa, foram explicadas neste domingo pelo pontífice ao recordar o aniversário.
Neste sentido, Bento XVI assinalou que “por Deus somos acolhidos e redimidos; nossa existência se inscreve no horizonte da graça, é guiada por um Deus misericordioso, que perdoa nosso pecado e nos chama a uma nova vida seguindo seu Filho”.
O Santo Padre continuou explicando que “vivemos da graça de Deus e estamos chamados a responder a seu dom”.
E acrescentou que “tudo isto nos liberta do medo e nos infunde esperança e coragem em um mundo cheio de incerteza, inquietude e sofrimento”.
Bento XVI recordou que o dia da assinatura da Declaração Conjunta, em 1999, João Paulo II a definiu como um passo no difícil caminho para voltar a compor a plena unidade entre os cristãos.
E concluiu expressando seu desejo de que avance o ecumenismo: “espero de coração que este importante aniversário contribua a fazer progredir no caminho para a unidade plena e visível de todos os discípulos de Cristo”.


sábado, 31 de outubro de 2009

Cardeal Walter Kasper: A prioridade da oração

A partir do Concílio Vaticano II, a aproximação entre a Igreja católica e as outras Igrejas e Comunidades eclesiais fez grandes progressos. Pedras miliares deste caminho foram principalmente a ab-rogação das excomunhões de 1054 entre Roma e Constantinopla, as Declarações cristológicas com as antigas Igrejas do Oriente, e a assinatura da Declaração comum sobre a Doutrina da Justificação com a Federação Luterana Mundial. O verdadeiro fruto do diálogo ecumênico é, contudo, a fraternidade que os cristãos reencontraram. De fato, hoje já não nos consideramos inimigos ou concorrentes e já não somos indiferentes uns aos outros. Voltamos a descobrir que somos irmãos e irmãs a caminho rumo à unidade, àquela unidade querida por Cristo. Esta redescoberta não foi o resultado de um filantropismo liberal ou de um vago espírito de família; ela baseia-se no reconhecimento do único batismo (cf. Ut unum sint, 42).


Os grandes acontecimentos ecumênicos do Jubileu de 2000, as visitas do Papa a alguns países de maioria ortodoxa e as visitas realizadas pelos Patriarcas ortodoxos a Roma, como por exemplo, a do Patriarca da Igreja ortodoxa romena, Sua Beatitude Teoctisto, no ano passado, assim como os "Dias de Oração pela paz no mundo" de Assis em 1986 e em 2002, realçaram os progressos ecumênicos realizados até agora. Este caminho de aproximação, como recordou várias vezes o Santo Padre, é irreversível. Foi o próprio Cristo que o traçou para nós, Ele que, na vigília da sua morte, rezou para que "todos sejam um só" (Jo 17, 21).

Apesar de tais progressos, não se pode deixar de notar que a aproximação ecumênica, no curso dos últimos anos, se tornou mais lenta e também mais difícil. Começou a faltar o entusiasmo originário que muitas vezes provinha de expectativas utópicas, e surgiram novas dificuldades. Com as Igrejas Ortodoxas, depois da mudança política dos anos 89/90, surgiu o problema do chamado "uniatismo". No que se refere ao diálogo com as Comunidades eclesiais do Ocidente, as dificuldades maiores concentram-se, sobretudo na questão eclesiológica e, em particular, sobre o ministério eclesial. A situação torna-se mais complexa também devido à existência de respostas diversas a alguns problemas éticos fundamentais. Estamos cada vez mais desiludidos com o fato de ainda não ser possível participar juntos na mesa do Senhor.

Nesta situação, um crescente ativismo não é suficiente para fazer progredir o movimento. Sem dúvida, não devemos reduzir o compromisso e devemos continuar a fazer tudo o que for possível, mas a unidade da Igreja não se realiza com a nossa vontade humana. A unidade é um dom do Espírito Santo. Nós podemos rezar apenas para que Deus derrame sobre nós o seu Espírito e conceda um novo Pentecostes. Numa situação que hoje se tornou mais difícil, devemos antes de mais fazer referência às raízes espirituais mais profundas do nosso empenho ecumênico. O Concílio Vaticano II falou do movimento ecumênico como de um impulso do Espírito Santo (cf. Unitatis redintegratio, 14) e realçou: "Esta conversão do coração e esta santidade de vida, juntamente com as orações privadas e públicas pela unidade dos cristãos, devem ser consideradas como a alma de todo o movimento ecumênico e podem justamente chamar-se ecumenismo espiritual" (Ibid., n. 8). É precisamente da força dinâmica do Espírito Santo que temos necessidade para imprimir um novo impulso ao compromisso ecumênico.

A "Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos", promovida pelo Padre Paul Irénée Couturier, é justamente considerada como um dos acontecimentos fundamentais do movimento ecumênico. Esta "Semana" do mês de Janeiro, cuja conclusão coincide com a Festa da conversão do Apóstolo Paulo, a 25 de Janeiro e que, nalguns países, é celebrado no Pentecostes, é o fulcro e o ápice das atividades ecumênicas do ano litúrgico. Além dela, devem ser mencionadas várias iniciativas e realidades espirituais. Recordo, por exemplo, o "Dia mundial de oração das mulheres", que começou em 1927; a grande carga espiritual que emana da comunidade de Taizé e que envolve sobretudo os jovens; a rede mundial da "Arche" fundada por Jean Vanier em 1964 e composta por comunidades de pessoas deficientes; os numerosos mosteiros e movimentos espirituais cujo carisma é precisamente a oração pela unidade; o intercâmbio espiritual entre mosteiros no Ocidente e no Oriente, entre comunidades religiosas e com comunidades anglicanas e evangélicas.

É muito importante a leitura e a meditação da Sagrada Escritura. De fato, a Bíblia é o fundamento comum e o alimento espiritual da qual tiram inspiração todas as Igrejas e Comunidades eclesiais.

Sobre a Sagrada Escritura e sobre a sua interpretação, dividiram-se católicos e protestantes; eles devem encontrar-se hoje de novo na Sagrada Escritura. Aprendemos da Bíblia que não podemos ser cristãos e que não pode existir ecumenismo verdadeiro sem a conversão dos corações; sem perdão recíproco dos juízos injustos e dos actos cometidos por uns contra os outros; sem purificação da memória; sem renovação da vida espiritual dos indivíduos e da Igreja no seu conjunto; e também sem a santificação pessoal.

O restabelecimento da plena comunhão é uma tarefa espiritual, antes de ser institucional. O diálogo ecumênico é muito mais do que uma simples troca de opiniões. Dado que constitui um intercâmbio de dons, ele é um processo existencial e espiritual (cf. Encíclica Ut unum sint, 28), em que os cristãos de todas as Igrejas se abrem uns aos outros, prontos para se ouvirem reciprocamente, se compreenderem e se aceitarem, dispostos a aprender uns com os outros; para receberem e se deixarem enriquecer mutuamente e para crescerem juntos num só Espírito. Este movimento horizontal só é possível se estiver inscrito no âmbito do movimento vertical de uma oração incessantemente elevada pelo advento do Espírito Santo, o Espírito de unidade, de paz e de amor para com Deus e para com o próximo.

Por isso, falamos da prioridade da oração. De fato, podemos ter a certeza de que o Pai nos há de conceder tudo o que lhe pedimos em nome de Jesus (cf. Jo 15, 16). E que dom podemos pedir em nome de Jesus, que seja mais precioso do que a unidade dos seus discípulos?


Fonte: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/chrstuni/documents/rc_pc_chrstuni_doc_20030202_kasper-preghiera_po.html



sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Delmiro Vieira Júnior, SDB: O que é ecumenismo?

Esta é uma pergunta que muita gente se faz, pois sempre ouvimos alguém dizer que é ecumênico, ou que vive uma espiritualidade ecumênica, ou ainda que participe de encontros e celebrações ecumênicas. No entanto, alguns cristãos não têm uma idéia clara do que seja ecumenismo, diz muitas coisas contra o movimento ecumênico, sem conhecer as orientações do Concílio Vaticano II (1962-1965) que promulgou um Decreto chamado Unitatis Redintegratio sobre o ecumenismo no dia 21 de novembro de 1964. Mas vamos conversar um pouco sobre este tema que diz respeito a todos os cristãos.

É importante a gente saber que a palavra ecumenismo foi usada em diferentes épocas com diferentes contextos. Nos primeiros séculos do cristianismo, ecumenismo designava todo o mundo conhecido, ou seja, o território dominado pelo Império Romano. Hoje em dia, este termo é usado com outro significado, pois entendemos ecumenismo como a busca da unidade visível dos discípulos de Jesus que por diversas circunstâncias históricas, encontram-se hoje separados. Pois é o desejo do próprio Cristo quando ora ao Pai pedindo a unidade: “Que todos sejam um, para que o mundo creia” (Jo 17,21). Dessa maneira, todo esforço de reaproximação, de reconhecimento fraterno, de respeito, de abertura ao outro, de diálogo, enfim, toda e qualquer iniciativa para a reintegração dos cristãos na unidade é chamado de movimento ecumênico.

Agora nós sabemos que ecumenismo é a busca da reintegração dos cristãos na unidade. Mas você pode se perguntar, que ‘significa reintegração dos cristãos na unidade’? Será que significa reunir todas as pessoas numa só tradição cristã? Ou, significa todo mundo ser católico-romano? Talvez signifique todos serem luteranos ou anglicanos? Ou ainda, todo mundo ser ortodoxo ou metodista? Não!!! Pois a unidade da Igreja, historicamente dividida não se faz na uniformidade, mas na diversidade das tradições eclesiais. O esforço ecumênico de nossas Igrejas não significa que queremos formar uma “super-igreja”, mas queremos expressar a unidade da Igreja que já existe no mistério de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, ou seja, a unidade da Igreja se faz no seio da Trindade, é visivelmente percebida por meio do testemunho da fé apostólica, da celebração dos sacramentos, especialmente, do Batismo e Eucaristia, do ministério pastoral, da oração comum, do serviço da caridade, na meditação e pregação do único Evangelho, da comunhão no amor entre as Igrejas e no serviço ao Reino de Deus.

O movimento ecumênico, no qual muitas Igrejas cristãs participam (inclusive a nossa), é considerado um fruto da ação do Espírito de Deus, que quer unir na fé, esperança e amor todos os discípulos de Cristo das mais diversas tradições cristãs. A diversidade entre as Igrejas cristãs não é um erro, e sim um valor, pois manifesta múltiplas formas da experiência do único Deus e Pai, que por meio de Jesus nos congrega pela ação do Espírito Santo na única Igreja de seu Filho, chamada a ser em Cristo sacramento ou sinal e instrumento da união com Deus e da unidade de toda a família humana.

O caminho do movimento ecumênico não é fácil, pois nos solicita duas atitudes fundamentais, que por sinal, são radicalmente provenientes do coração de Jesus: o amor e o perdão. Somente pessoas abertas ao diálogo são capazes de vivenciar a espiritualidade ecumênica, e mais ainda, serão capazes de colaborar para que a reintegração dos cristãos na unidade seja um testemunho do amor de Cristo que nos faz irmãos e irmãs, sem preconceitos, sem desconfiança e sem ressentimentos. O diálogo, o respeito, o procurar conhecer as expressões de fé da nossa Igreja e saber as razões pelas quais nossos irmãos de outras Igrejas dizem ou fazem diferente de nós são atitudes de pessoas que aprenderam a viver e a comunicar perdão e o amor.

Autor: Delmiro Vieira do Nascimento Júnior, sdb.

Assessor paroquial para a dimensão ecumênica e inter-religiosa




quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Cardeal Kasper: Retrospectiva e perpsectiva no caminho ecumênico

PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA UNIDADE DOS CRISTÃOS

APRESENTAÇÃO DO CARDEAL WALTER KASPER
21 de Novembro de 2004

Não é fácil resumir a nossa Conferência. Sem pretender ser completo, gostaria de realçar três pontos, que me parecem ser essenciais.

1. A escolha ecuménica de "Unitatis redintegratio" há quarenta anos é irreversível e a sua validade é permanente, tanto para hoje como para o futuro:
- ela conforma-se com a vontade de Jesus Cristo;
- conforma-se com a vontade de um Concílio universal aprovado pelos Papas João XXIII, Paulo VI e João PauloII;
- corresponde aos sinais dos tempos, à evangelização e à nova evangelização às quais hoje estamos chamados;
- já deu muitos e bons frutos na vida da Igreja, frutos que são um dom do Espírito do Senhor, pelos quais lhe devemos agradecer. Estes - mesmos frutos obrigam-nos e impõem que prossigamos e demos continuidade ao nosso compromisso ecuménico.

2. Nos quarenta anos transcorridos a situação ecuménica sofreu uma grande mudança, com luzes e sombras:

2.1. As luzes:
Alcançámos uma situação intermédia, na qual a recepção e a consciência ecuménica na Igreja cresceu; cresceram também as expectativas e por vezes a impaciência. Sobretudo o Papa João Paulo II, desde o primeiro dia do seu longo pontificado, assumiu o compromisso ecuménico e promoveu-o com palavras encorajadoras e actos convincentes.
Através dos diálogos, tanto internacionais como regionais e locais, eliminámos muitos desentendimentos e preconceitos, superámos diferenças do passado, aprofundámos e enriquecemos a comunhão na fé, e estabelecemos muitas amizades.
Na maior parte das situações na Igreja, a convivência e a colaboração ecuménica pertencem à vida eclesial quotidiana das paróquias e das dioceses; o ecumenismo faz integral e normalmente parte da vida da Igreja.
Antes de mais, estamos gratos pelos grupos de oração ecuménica e pela rede espiritual entre mosteiros, conventos, comunidades e movimentos. Graças a Deus, o ecumenismo espiritual está a crescer. Não existe uma época ecuménica "glacial".

2.2. As sombras:
Por vezes persistem antigos preconceitos; muitas vezes a memória do passado pesa sobre o presente e impede um futuro comum. Também se devem lamentar preguiças e limites, e um fechamento das Igrejas e Comunidades eclesiais em si mesmas. Inversamente, o ecumenismo torna-se por vezes presa de um activismo superficial ou uma questão de relações meramente formais de cortesia, de diplomacia, isto é, de burocracia.
A imagem do ecumenismo, do modo como é entendido pela Igreja, por vezes é deturpado por mal-entendimento e abusos, que não só não ajudam, mas provocam reacções contrárias e são contraproducentes. O ecumenismo só terá futuro se estiver baseado na doutrina e na disciplina da Igreja.
Confrontamo-nos hoje com novos desafios: por um lado, o relativismo e o pluralismo qualitativo pós-moderno, que já não apresenta a questão da verdade, e, por outro, um fundamentalismo agressivo exercido por seitas antigas e novas, com as quais não é possível na maior parte dos casos estabelecer um diálogo que se distingue pelo respeito.
Nalgumas Comunidades eclesiais verifica-se uma espécie de liberalismo doutrinal e sobretudo ético, que gera novas divergências tanto no âmbito destas Comunidades, como entre elas e a Igreja Católica. Estes progressos chamados progressistas minam de facto o progresso ecuménico. O verdadeiro ecumenismo é ecumenismo na caridade e na verdade.

3. Os bons frutos até agora alcançados e os novos desafios exigem uma clara e concordada concepção do futuro do movimento ecuménico.
Torna-se necessária uma reflexão aprofundada e partilhada com base no ecumenismo: o Baptismo comum e a fé baptismal: a profissão do Deus trinitário e de Jesus Cristo como único Salvador e Redentor juntamente com o compromisso de viver segundo os mandamentos de Deus e o espírito do Evangelho. Não é suficiente um vago espírito de família. Devemos promover a formação ecuménica sobre aquilo que nos une e o que ainda nos divide. A ignorância e a indiferença da própria fé e da fé do próximo são impedimentos para um verdadeiro ecumenismo.
É necessário esclarecer a finalidade das actividades ecuménicas: a plena comunhão na fé, nos sacramentos e no ministério apostólico. Não se deve confundir esta comunhão com a uniformidade; ela dá espaço a uma legítima diversidade de expressão, de espiritualidade, de rito, de teologia, de inculturação, etc. Entretanto o ecumenismo progride graças ao intercâmbio de dons, que não consiste num empobrecimento, mas que constitui um enriquecimento. Assim o movimento ecuménico ajuda a alcançar a realização concreta e plena da catolicidade.
O ecumenismo não é uma finalidade em si mesmo, está relacionado com a evangelização. O movimento missionário e o movimento ecuménico no início são quase gémeos e representam juntos o dinamismo histórico da Igreja, através do qual Deus, segundo o seu desígnio salvífico, reúne o seu povo de todos os povos da terra. O percurso ecuménico coloca-se nesta dinâmica escatológica e vive de uma esperança que não pode desiludir.
Em última análise, o processo ecuménico é uma aventura do Espírito Santo e um processo espiritual. O ecumenismo espiritual é, por conseguinte, o próprio centro do ecumenismo: ou seja, conversão e renovamento, santidade e vida segundo o evangelho, oração privada e comum. Por isso, estamos gratos a todos os que rezam em privado pela unidade, aos grupos de oração comum, às redes espirituais que unem mosteiros, conventos, comunidades e movimentos espirituais. Estamos decididos a promover este ecumenismo espiritual. O Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos deseja preparar e publicar um Vademecum de espiritualidade ecuménica, que deverá ser concretizado segundo as diversas situações e circunstâncias da vida eclesial.
As situações e não só as situações ecuménicas são muito variadas na Igreja de hoje. Não é possível um programa comum nem parece ser necessário ou desejável. As Conferências, como a que nos reuniu nestes dias, consentem fortalecer a nossa decisão comum de percorrer o caminho ecuménico; aprofundam a nossa consciência comum e a compreensão ecuménica; oferecem uma orientação ecuménica comum para o futuro. Para concluir este encontro e ao separar-nos estamos convictos de que o ecumenismo e a evangelização são o caminho da Igreja rumo ao futuro. Os dois constituem a vontade do Senhor e o dom do Espírito. Agradecemos ao Santo Padre que nos confirmou nesta convicção e nos indicou este caminho.

Cardeal Kasper: Caminho e significado do movimento ecuménico

REFLEXÕES DO CARDEAL WALTER KASPER

Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos


O ano de 2008 é totalmente especial para a celebração da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos que, segundo a tradição, tem lugar de 18 a 25 de Janeiro. Com efeito, celebra-se por assim dizer o primeiro centenário do mesmo. Ao mesmo tempo comemoramos o 40º aniversário desde o início do trabalho conjunto entre a Comissão "Fé e Constituição", do Conselho Ecuménico das Igrejas e o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, que todos os anos preparam em conjunto os subsídios da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos.

Ainda mais. Este ano comemora-se inclusivamente a beatificação, ocorrida há vinte e cinco anos, precisamente durante a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, da religiosa trapista Maria Gabriela da Unidade (1914-1936), que consagrou a sua existência inteira, trascorrida no isolamento de um convento, à meditação e à oração a fim de que se realizasse a vontade expressa por Jesus: "Para que todos sejam um só" (Jo 17, 21).
Este tríplice aniversário impele-me a reflectir sobre a história e sobre a importância sempre actual da busca da unidade, e de maneira particular sobre a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos e sobre a dimensão espiritual do ecumenismo. Por conseguinte, pergunto-me o que é o ecumenismo espiritual, quais são o seu alcance e o seu impacto, sobretudo na situação de grande transformação em que se encontra actualmente o ecumenismo, sob diversificados aspectos: com efeito, no início deste século XXI, a sua história chegou ao limiar de uma nova fase.
O início do movimento ecuménico do século XX é geralmente feito coincidir com a conferência mundial sobre a missão, realizada em Edimburgo no ano de 1910, da qual já começamos a preparar em conjunto e ecumenicamente o primeiro centenário, que terá lugar daqui a dois anos. Edimburgo foi um acontecimento muito importante, por diversos motivos. Ele deu início a duas correntes principais, que sucessivamente levaram à criação do Conselho Ecuménico das Igrejas: "Vida e Trabalho" e "Fé e Constituição". A contribuição essencial oferecida por Edimburgo foi o facto de ter associado explicitamente o compromisso ecuménico da Igreja e o empenhamento missionário. Ecumenismo e missão são, por assim dizer, irmãos. Ambos dão um testemunho clarividente da nossa autocompreensão eclesial: a Igreja nunca é auto-suficiente, mas deve sempre olhar para fora e para além de si mesma. No ecumenismo, o desafio da Igreja consiste em tornar-se cada vez mais consciente do escândalo da divisão, que se tornou particularmente evidente devido à existência de outras Igrejas e Comunidades eclesiais, com a finalidade de chegar a uma reconciliação. No âmbito da missão, a Igreja deve abrir-se ao mundo das nações e das culturas, desejosas de receber o anúncio do Evangelho. Por conseguinte, o ecumenismo e a missão possuem também uma dimensão escatológica; eles tendem para o "shalom" escatológico, para aquela paz escatológica universal, anunciada pelos profetas do Antigo Testamento. Não é por acaso que o Presidente e o Secretário da Conferência de Edimburgo, o metodista norte-americano John Mott e o teólogo anglicano Joseph H. Oldam foram também protagonistas do movimento em prol da paz, que teve início depois da tregédia e das devastações provocados pela primeira guerra mundial.
Todavia, por mais importante que seja a comemoração da Conferência de Edimburgo, não podemos esquecer que ela não é a única, nem a mais antiga raiz do ecumenismo do século XX. Já há cem anos, o então (ainda) ministro episcopaliano Paul Wattson (1863-1940), co-fundador da Comunidade dos Irmãos e das Irmãs do "Atonement" em Graymoor (Garrison, New York), introduziu um Oitavário de Oração pela Unidade dos Cristãos, que foi celebrado pela primeira vez de 18 a 25 de Janeiro de 1908. Por este motivo, no corrente ano do primeiro centenário, a preparação da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos foi então realizada em Graymoor.
No entanto, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos pode remontar a diversas iniciativas ainda mais distantes no tempo e aos movimentos de renovação espiritual da segunda metade do século XIX. É suficiente citar o Movimento de Oxford, a Aliança Evangélica Mundial, o "Dia Mundial de Oração" das mulheres que, não obstante a vigorosa oposição masculina, foi introduzida por mulheres presbiterianas, metodistas, baptistas e anglicanas nos anos 80 do século XIX, a começar pelos Estados Unidos da América e pelo Canadá, mas em seguida também pelo resto do mundo. Foram decisivos os movimentos juvenis YMCA e YWCA, presentes inclusivamente em Edimburgo. John Motto escrevia: "A alma de Edimburgo não se encontrava no seus discursos, mas nos seus momentos de oração".
Além disso, vale a pena recordar de maneira particular as duas Cartas Encíclicas do Patriarca Ecuménico Joaquim III: a primeira, dirigida em 1902 a todas as Igrejas ortodoxas; a segunda, redigida em 1920 para convidar as Igrejas do mundo inteiro a uma "Aliança de Igrejas", semelhante à "Aliança das Nações". Neste documento, o Patriarca não somente utilizou a palavra grega "koinonia" (comunhão) como a finalidade definitiva de alcançar a reunificação das Igrejas, mas sublinhou também a importância fundamental, para todos os cristãos, da oração e das invocações contínuas em vista da recomposição da unidade.
A Igreja católica não se prodigalizou em menor medida. Embora tenha aderido oficialmente ao movimento ecuménico institucional somente mediante o decreto conciliar Unitatis redintegratio, do Concílio Vaticano II (1962-1965), ela participou desde o início na oração pela unidade dos cristãos e no ecumenismo espiritual. Nos movimentos católicos de renovação espiritual do século XIX, presentes em muitos lugares, já encontramos vários grupos de oração pela unidade da Igreja. Santos como Vicente Pallotti (1795-1850) e Luís Orione (1872-1940), ambos importantes para a renovação pastoral em Roma, assim como Adolfo Kolping (1813-1865) e o famoso Bispo D. Ketteler de Mogúncia (1811-1877), célebres pelo seu compromisso social, apoiaram e promoveram a oração pela unidade dos cristãos.
Em 1865 o Papa Leão XIII, no seu Breve Providae Matris, recomendou a introdução de uma Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos na primeira semana de Pentecostes. Ele escrevia: "Trata-se de rezar por uma obra comparável à renovação do primeiro Pentecostes onde, no Cenáculo, todos os fiéis estavam congregados em redor da Mãe de Jesus, unânimes no pensamento e na oração". Dois anos mais tarde, na Carta Encíclica Divinum illud munus, o Papa falou da oração em que se pede que o bem da unidade dos cristãos possa amadurecer. Quando a "Society of the Atonement" se tornou corporativamente membro da Igreja católica, o Papa Pio X concedeu em 1909 a sua bênção oficial à Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos no mês de Janeiro. Bento XV apoiou-a e introduziu-a de maneira definitiva na Igreja católica. Também Pio XII, na sua Carta Encíclica Mystici corporis (1943) reiterava que, seguindo o exemplo de Jesus Cristo, teria rezado pela unidade da Igreja.
É significativo o facto de que João XXIII, precisamente no dia 25 de Janeiro de 1959, no encerramento da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, anunciou do Concílio Vaticano II, que teria aberto oficialmente a Igreja católica ao movimento ecuménico. No seu decreto sobre o ecumenismo, o mesmo Concílio declarava: "Esta conversão do coração e esta santidade de vida, juntamente com as orações particulares e públicas pela unidade dos cristãos, devem ser tidas como a alma de todo o movimento ecuménico, e com razão podem ser chamadas ecumenismo espiritual" (Unitatis redintegratio, 8). Na sua Carta Encíclica Ut unum sint, de 1993 (cf. nn. 15 s.; 21 s.; e 24-27), João Paulo II reiterou também várias vezes e com extrema clarividência a prioridade da oração e a importância do ecumenismo espiritual.
Considerando novamente a intenção originária de Paul Wattson, constatamos um importante desenvolvimento na compreensão da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Enquanto Paul Wattson considerava que a finalidade da unidade era o retorno à Igreja católica, o Abade Paul Couturier (1881-1953), de Lião, nos anos 30 do século passado deu um renovado impulso a esta Semana, um impulso ecuménico no verdadeiro sentido desta palavra. Ele mudou o nome de "Oitavário pela Unidade da Igreja" para "Semana Universal de Oração pela Unidade dos Cristãos", promovendo desta maneira uma unidade da Igreja "como Cristo quer e segundo os instrumentos que Ele mesmo deseja".
O testamento espiritual de Paul Couturier (1944), em que ele explica as suas intenções, é muito significativo, profundo e emocionante; trata-se de um dos textos ecuménicos mais inspirados, que vale a pena ler e meditar também nos dias de hoje. O autor fala de um "mosteiro invisível", "construído por todas aquelas almas às quais o Espírito Santo, devido aos esforços sinceros por elas envidado em vista de se abrirem ao seu fogo e à sua luz, permitiu compreender intimamente a dolorosa condição de divisão entre os cristãos; em tais almas, esta consciência suscitava um sofrimento contínuo e, por conseguinte, a prática regular da oração e da penitência".
Paul Couturier pode ser considerado como o pai do ecumenismo espiritual. A sua influência foi particularmente sentida pelo chamado Grupo de Dombes, por Roger Schutz e pela comunidade de Taizé. Dele hauriu uma profunda inspiração também a Irmã Maria Gabriela. Hoje, no crescente número de networks de oração entre os mosteiros católicos e não católicos, de movimentos e de comunidades espirituais, de centros de religiosas e de religiosos, de bispos, de sacerdotes e de leigos, finalmente está a proporcionar uma forma ao seu mosteiro invisível.
Para concluir este breve panorama histórico, podemos dizer que a oração pela unidade dos cristãos, e sobretudo a Semana de Oração, constituem a origem e o impulso permanente do movimento ecuménico. Esta constatação sugere-nos diversas coisas, muito importantes.
Em primeiro lugar, o tema da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos do corrente ano: "Rezai incessantemente" (1 Ts 5, 17) condensa em si uma longa história, que remonta a muito mais de cem anos, em última análise ao Cenáculo de Jerusalém, onde Jesus rezou e onde os Apóstolos e as mulheres, juntamente com Maria, Mãe de Jesus, invocaram a vinda do Espírito Santo (cf. Act 1, 13 s.). A sua origem, a sua profunda razão, deve ser procurada na oração dirigida por Jesus ao Pai, na vigília da sua paixão e morte, "para que todos sejam um só. Como Tu, ó Pai, estás em mim, e Eu em ti" (Jo 17, 21). Desta forma, ecumenismo significa fazer própria esta oração, orar com Jesus em Jesus. O princípio e o motor do ecumenismo é a meditação, a contemplação. A sua finalidade é a comunhão, mas uma comunhão que não é o puro resultado de esforços humanos, uma obra ou uma instituição criada simplesmente por nós mesmos. Sem a comunhão espiritual, todas as estruturas de comunhão não seriam senão uma estrutura sem alma. Efectivamente, a comunhão é antes de mais uma dádiva. Decidir quando, onde e como a unidade se há-de realizar não está nas nossas mãos, mas sim nas mãos de Deus. E devemos ter confiança nele.
Em segundo lugar, a oração e a consciência ecuménica começaram de maneira mais ou menos independente em diversas tradições eclesiais e em vários círculos interconfessionais e transnacionais, tendo sido apoiados desde o princípio por todos: anglicanos, protestantes, ortodoxos, católicos e Igrejas livres. Como o Concílio Ecuménico Vaticano II observava, este movimento só pode ser compreendido como um impulso e uma obra do Espírito Santo, que despertou os cristãos no mundo inteiro e em todas as tradições eclesiais, tornando-os conscientes do escândalo da divisão e desejosos da unidade (cf. Unitatis redintegratio, 1e4).
Em terceiro lugar, graças a Edimburgo e àquilo que daí derivou, como os movimentos "Vida e Trabalho" e "Fé e Constituição", aquilo que era primariamente um movimento espiritual pôde assim adquirir pela primeira vez uma estrutura institucional, unindo-se ao compromisso missionário e ao movimento em prol da paz e adquirindo desta maneira uma dimensão mundial, não apenas a nível de extensão geográfica, mas também de estrutura e de consciência. Com efeito, todos os anos quando rezamos pela unidade dos cristãos, oramos inclusivamente pelas mais importantes necessidades nos âmbitos social e político, mas também pela paz no mundo.
Isto demonstra que o ecumenismo constitui uma resposta aos sinais dos tempos. Num século entre os mais obscuros e cruentos, assinalado por duas guerras mundiais que ceifaram milhões de vidas, por dois sistemas totalitários e por incontáveis ditaduras que provocaram um número infinito de vítimas inocentes, os cristãos decidiram lutar contra as suas antigas divisões, demonstrando que é possível reconciliar-se, não obstante as culpas cometidas por todos no passado. Podemos dizê-lo sem qualquer hesitação: no século passado, o ecumenismo foi um farol que iluminou as trevas e um vigoroso movimento em prol da paz.
Como João Paulo II houve por bem sublinhar, no século XX houve mártires em todas as Igrejas e em todas as Comunidades eclesiais, pessoas que, animadas por uma profunda consciência cristã, se opuseram a regimes desumanos desprovidos de Deus, comprometendo-se até ao fundo pela unidade dos cristãos, pela reconciliação e pela paz. Com a generosa oferta da sua vida pelo Reino de Deus, estes nossos irmãos e irmãs "são a prova mais significativa de que todo o elemento de divisão pode ser vencido e superado com o dom total de si próprio à causa do Evangelho" (Ut unum sint, 1).

Paróquia Dom Bosco promove Seminário de Formação Ecumênica


Aconteceu no dia 21 de outubro, quarta passada no Centro UNISAL - Campus Pio XI, o Seminário de Formação Ecumênica organizado pela Comissão Paroquial para o diálogo ecumênico e inter-religioso da Paróquia São João Bosco do Alto da Lapa, São Paulo-SP. O Seminário de Formação Ecumênica foi coordenado pelo salesiano Delmiro Vieira N. Júnior, assessor para o diálogo ecumênico e inter-religioso, e Comissão para o diálogo da Paróquia Dom Bosco: Camélia Paiva, Dirce, Maria de Lourdes Crepaldi, Simone Payão, Ronaldo e Roberto Muller. Em parceria com o Centro UNISAL - Pio XI, foi possível acolher 120 pessoas das 150 inserções realizadas pelo site da Faculdade de Teologia.
O Seminário teve como tema central “a dimensão ecumênica na formação do agente de pastoral a serviço da evangelização”. Foram convidados três professores para desenvolver as temáticas: O moderado da mesa, o Prof. Francisco Catão; o Prof. Pe. Anderson Menezes que desenvolveu os aspectos teológico-pastorais do diálogo presentes na Carta encíclica Ecclesiam Suam do Papa Paulo VI; e o Prof. Pe. José Bizon que trabalhou os elementos da formação ecumênica dos agentes de pastoral a partir das experiências ecumênicas no Brasil.
Segundo o diretor do Campus Pio XI, Pe. Ronaldo Zacarias, sdb, “o Seminário de Formação ultrapassou as expectativas pelo interesse da comunidade: religiosos, religiosas, estudantes de teologia, catequistas, membros de pastorais e movimentos”. E ainda dizia que “a iniciativa marcava um novo tempo para o Campus PIO XI”, o estudo reservado à Faculdade de Teologia passava a fazer parte do debate de pessoas ligadas à pastoral no confronto existencial no diálogo fraterno entre os cristãos e pessoas de outras religiões. Concluía Pe. Ronaldo Zacarias dizendo que “a iniciativa da Comissão para o diálogo em parceria com o Centro UNISAL - Pio XI deveria continuar pelo significado da formação ecumênica no agir pastoral das comunidades cristãs.”